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IA: Uma Travessia Sobretudo Civilizatória

  • Foto do escritor: Mario Salimon
    Mario Salimon
  • 21 de ago.
  • 3 min de leitura
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Publicada originalmente no Correio Braziliense em 26 de julho de 2025


As IAs se configuram muito rapidamente como camada estrutural e estratégica da vida organizacional. Reduzir seu papel à eficiência operacional é ignorar seu real impacto: a redefinição das relações humanas mediadas por tecnologia e, consequentemente, de culturas organizacionais, sociais e políticas. Assim, a condução responsável das transformações resultantes desse fenômeno disruptivo exige um duplo movimento: de um lado, investir em inovação tecnológica; de outro, promover inovação relacional.


Desde tempos antigos, o ser humano busca insuflar vida no inanimado. Autômatos mitológicos, criaturas artificiais na literatura e no cinema e dispositivos como o ábaco e o mecanismo de Anticítera prefiguraram a ascensão da Inteligência Artificial. De marcos como o teste de Turing e a invenção da internet até a chegada dos grandes modelos de linguagem, como o Chat GPT, percorremos um longo caminho, não apenas técnico, mas também simbólico e social.

Talvez por essa gênese ancestral fantástica, a disseminação da IA nas organizações seja frequentemente acompanhada de uma visão mágica e acrítica: a suposição de que a introdução de tecnologias avançadas resultará automaticamente em eficiência e vantagem competitiva. Essa crença é ingênua e perigosa.

A IA, como toda tecnologia de alto impacto, não necessariamente corrige falhas estratégicas ou culturais. Ela frequentemente as amplia.

Já se pode notar um conjunto significativo de desafios na implantação das IAs, e a comunicação é certamente o primeiro a gritar por atenção, pois a construção de sentido comum é condição básica para a gestão da complexidade. Gerações distintas, por exemplo, percebem transformações de formas diferentes. Tomemos o caso da ESG, função hoje inescapável no mundo empresarial. Para a Geração Z, a primeira a nascer na era digital, não basta lucratividade. Exigem-se sustentabilidade, ética e inclusão. Não é suficiente perguntar “o que a IA faz?”, mas também “a quem ela serve?”, “quem ela exclui?” e “qual mundo ela ajuda a construir?”. Ignorar essas perguntas é erro basal. Organizações que não integrarem estratégia, responsabilidade social e cultura em seus projetos digitais tenderão a reproduzir seus próprios vícios, tornando-se socialmente irrelevantes.


É importante notar que organizações são ecossistemas de conversas; e o grande salto recente no campo da IA tem a ver, precisamente, com a capacidade de as máquinas, pelo domínio da linguagem natural, poderem fazer parte desse ambiente de trocas significativas de conteúdos.

Nossas interações com as IAs, por mais operacionais que pareçam, também geram intersubjetividade. Moldamos seu “pensar”, e elas, por sua vez, impactam nossas decisões e comportamentos, computando o porvir e influenciando o modo como colonizamos o futuro.

A velocidade e o ganho de escala do fenômeno IA não têm precedentes. Em apenas três anos, o GPT evoluiu em processamento o que a computação clássica levou meio século para conquistar. Não seria prudente crer que a volubilidade dos movimentos pessoais e individuais nos levaria a uma coordenação objetiva dos interesses humanos frente a um intelecto com tamanha capacidade evolutiva. Aí está mais uma questão a ser protagonizada pelas organizações, pois são elas que promovem as grandes mudanças na sociedade. Contudo, as IAs nelas se entranham em plena permacrise, numa combinação de instabilidade econômica, emergência socioambiental e tensões sociais. E esta é apenas a primeira de várias ondas tecnológicas disruptivas, de modo que a ideia de que estaríamos em transição para algum porto seguro é certamente ilusória.


A escolha à frente é civilizatória: manter práticas ultrapassadas ou inaugurar modos de organização mais éticos, sustentáveis e inclusivos. Redes de colaboração genuína, escuta ativa, empatia e culturas inclusivas não são complementos, mas fundamentos da inovação sustentável. A liderança organizacional atual deve incorporar a permacrise ao planejamento, internalizando questões socioeconômicas e ambientais como parte permanente do cenário competitivo, pois inovar é também mitigar desigualdades, reduzir impactos ambientais e fortalecer a coesão social.


A tecnologia oferece potência, mas a direção é humana. Se as máquinas podem tornar-se mais humanas em sua capacidade de aprender e dialogar, por que não podemos nós, gente de carne e osso, embutir humanidade em nossa capacidade de decidir, liderar e construir o futuro?

*Consultor internacional, especialista em Comunicação e Gestão da Estratégia, membro da Rede de Conhecimento do Fórum do Futuro e da associação IMS — Informations pour le Monde Suivant.

 
 
 

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