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Estrategistas como catalisadores de mudanças

Foto do escritor: Mario SalimonMario Salimon
Paul Klee - Highroads and Byroads

Por Mário Salimon*29/08/2023


A gestão da estratégia é um campo crucial para o sucesso e a evolução das organizações nos três setores de agenciamento da sociedade. Isso porque não é possível — e isso vale para seres vivos ou organizações — sobreviver sem as adaptações demandadas pelas constantes flutuações ambientais. A busca por congruências internas e externas é, decididamente, um trabalho constante para quem pretende seguir no jogo da vida. No entanto, um olhar crítico sobre as práticas atuais de gestão de projetos de interesse público revela uma lacuna significativa quando se fala da promoção de transformações organizacionais: a ausência do pensamento estratégico, lastreado pelo design thinking, hoje superado por uma visão restrita e orientada por uma lógica claramente curtoprazista.


Mostra a experiência que os processos intencionais de transformação organizacional e sociocultural são divididos sequencialmente em quatro fases, sendo a execução a última delas. As três primeiras são dedicadas à análise de contexto, à ideação e à escolha de alternativas estratégicas. Entretanto, o que se vê no planejamento tradicional de nossas organizações voltadas para o interesse público é uma corrida à ação com base em um requentado futuro do passado; uma construção baseada em velhas crenças traduzidas em planilhas e em restrições, muitas vezes lineares, de recursos. Um perfeito exemplo do que McLuhan chamou de “seguir em frente olhando pelo retrovisor”. É um enorme esforço de manutenção do status quo.


Um aspecto muitas vezes negligenciado — salvo no caso das campanhas políticas — é o papel de estrategistas como agentes primordiais em ações de planejamento e ação. O fato de eles serem frequentemente chamados apenas quando os projetos já estão à beira do fracasso demonstra uma abordagem reativa, que subutiliza a capacidade potencial de transformação latente na experiência acumulada desses profissionais. No contexto de intervenções promovidas por governos, cooperação multilateral e organizações do Terceiro Setor, os estrategistas têm sido relegados a um papel, quando muito, secundário. É lastimável que sua participação geralmente ocorra em estágios avançados, quando as soluções estão mais caras e são menos eficazes devido à urgência das circunstâncias. A falta de inclusão desses profissionais desde o início do planejamento compromete a capacidade de pensar de maneira abrangente e inovadora sobre os desafios enfrentados pela organização.

Os modelos de intervenção predominantes demonstram uma tendência a valorizar conhecimento aduzido do passado e futuro próximo previsível. Essa abordagem limita a especulação e a possibilidade de inovação, entendida aqui como a institucionalização da invenção. Como resultado, a capacidade de efetuar mudanças significativas no status quo é severamente comprometida.

O foco excessivo em resultados em detrimento de impactos leva a uma abordagem mais administrativa do que de gestão, esta um processo diferenciado daquela pela relevância das funções de análise e desenho. Isso leva a uma concentração exagerada nos âmbitos operacional e tático, deixando pouco espaço para uma atuação verdadeiramente estratégica.

É importante lembrar que vacinar não significa, necessariamente, imunizar.

Outra mazela é a prevalência de uma mentalidade de “tarefismo”, que impulsiona a busca por eficácia operacional em vez de transformações profundas nos modelos de atuação. A busca por eficácia raramente é suficiente para enfrentar os problemas complexos e multifacetados que a humanidade enfrenta atualmente. Temos como doloroso exemplo o fracasso no cumprimento das Metas do Milênio, estabelecidas pela ONU em 2000, que tiveram baixíssima adesão e efetividade ao cabo dos cinco anos inicialmente estabelecidos para o programa. É doloroso dizer, mas, considerando a aparente manutenção do modelo geral de intervenção, a extensão do prazo e a mudança do nome-fantasia do programa não o livrarão de um novo fracasso ao final novo prazo, em 2030. A falta de uma abordagem mais estratégica resulta, portanto, em menos impacto e inovação do que o necessário para abordar os desafios genéricos e específicos afirmados nas formulações de missão das organizações.


Além disso, a mentalidade de curto prazo, geralmente alimentada por movimentos altamente ideologizados, precisa ser substituída por uma visão mais ampla, que considere não apenas interesses e resultados imediatos, mas também os impactos mais abrangentes e duradouros das intervenções. Isso exige uma mudança de foco da eficiência operacional para a busca por transformações reais nos modelos de atuação. Tal transformação não deve ser vista apenas como um conjunto de epifenômenos ou manifestações epidérmicas nos fluxos de processos, mas como uma mudança cultural e estrutural que aborde e seja capaz de enfrentar os problemas históricos e renitentes em suas raízes.

A verdade é que agimos, como coletivo, de forma pouco inteligente. A metacognição e a aprendizagem, que deveriam promover formas de colaboração mais congruentes com as exigências do contexto, são quase sempre vistas pelas instituições como formas de insubordinação, o que perpetua os círculos viciosos que nos têm mantido presos aos erros do passado.

Nossas organizações têm, sistematicamente, privilegiado a mediocridade e o compromisso com modelos notadamente falidos de organização. Para superar esses desafios, é imperativo adotar uma nova abordagem na promoção de intervenções transformadoras, a partir da ação de pessoas que fossem suficientemente corajosas e visionárias a ponto de romper com o status quo que as sustenta.


Em suma, os modelos de pretensa transformação organizacional e social precisam evoluir para se tornarem mais estratégicos, abrangentes e orientados a impactos duradouros. Os estrategistas deveriam ser incorporados desde o início nos processos de concepção de projetos de transformação. Sua visão de longo prazo e habilidades de design thinking poderiam trazer uma perspectiva mais holística e inovadora para a mesa, permitindo que os desafios fossem abordados de maneira mais eficaz, eficiente e efetiva. Mais oportuna, enfim. Ao adotar uma abordagem mais orientada ao futuro e centrada em impactos, as organizações poderiam, com maior chance de sucesso, superar os desafios atuais e criar mudanças significativas que beneficiassem, de fato, a sociedade como um todo, não somente grupos de interesse momentaneamente dotados de poder posicional.


*Mário Salimon é especialista em Gestão de Estratégia e Comunicação Organizacional, com doutorado em Gestão pela Universidade de Brasília


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